Nome bem visto recente no futebol brasileiro, sendo, até mesmo, sondado pelo Flamengo, Rui Vitória enxerga “cada vez mais o Brasil como uma possibilidade permanente”, sobretudo depois de ter sentido a energia da torcida rubro-negra, que, em janeiro, ficou animada ao vê-lo seguir o perfil oficial do clube nas redes sociais.
Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o treinador português, que conquistou três vezes o campeonato nacional pelo Benfica, disse não ter pressa para voltar a comandar uma equipe – está parado desde dezembro, quando deixou o Al Nassr, da Arábia Saudita. Rui afirmou aguardar um “projeto competitivo agradável”, e que no momento curti a família.
Em um longo e proveitoso bate-papo sobre o mercado da bola e sua carreira de treinador, Rui Vitória, de 50 anos, também destacou o sucesso de Abel Ferreira no Palmeiras; analisou o momento conturbado de Jorge Jesus no Benfica, e também recordou a passagem frustrada de Gabigol no futebol português.
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(Quando o torcedor, principalmente o português, escuta o seu nome, qual é a imagem que aparece? Qual é a visão simplista que ele tem de você?)
“De alguém que ganhou respeito no futebol. As pessoas me consideram uma pessoa que gera respeito, o que é muito gratificante. Olham para um bom trabalho que foi feito no Benfica, para o fato de ter saído do Benfica de forma injusta, mas, no geral, todos têm um respeito muito grande, e isso é transversal a todos os clubes. Gosto de ouvir isso, porque as pessoas se identificam com os meus valores, com aquilo que representei enquanto estive trabalhando em Portugal”, comentou.
(O profissional português tem um poder de adaptação muito alto, há diversos treinadores nos mais variados países. Acha, no entanto, que a facilidade para se adaptar longe de casa pode vez ou outra jogar contra? Pode, talvez, causar um certo comodismo e, consequentemente, um distanciamento dos holofotes?)
“É uma boa pergunta, porque às vezes pode acontecer isso. Eventualmente, podemos ser vítimas desses bons resultados no estrangeiro. O treinador português é a prova que nós podemos estar em todos os tipos de mercado. Depois disso, criamos carreiras, há desejo de continuidade, somos bem recebidos e, às vezes, pensamos o seguinte: “Estamos bem aqui, então vamos trocar por algo incerto? Por quê?”. Pode haver essa sensação de que podemos estar afastados dos centros de decisão. Sim, acontece. Temos aqui tudo, temos sucesso, já nos adaptamos ao trabalho, nos dão aquilo que queremos e agora vamos dizer que queremos ir embora? Então pode haver uma tendência de continuidade”, disse.
(Depois de cerca de dois anos na Arábia Saudita, neste momento “não se permite” não trabalhar em um grande centro? Até pela questão dos holofotes…)
“Acima de tudo, quero ter um contexto competitivo e voltar a treinar. Seja pelos estádios cheios, seja pela competitividade do campeonato, seja pelo envolvimento criado no país. É preciso haver algo que me agrade, então está mais relacionado a um projeto competitivo agradável. Quando aceitei trabalhar no Al Nassr, olhei desta forma: gostei do projeto e do contrato. Agora, se houver condições de fazer o mesmo na Europa, melhor. Se não houver, há países e clubes com contextos muito agradáveis. A minha pausa neste momento foi para ganhar apetite, para ganhar vontade treinar. Estou aberto a várias possibilidades. Confesso que na Arábia Saudita havia uma boa competição, mas o envolvimento não era tão forte para nós que gostamos dessa parte mais competitiva”, afirmou.
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(Hoje está parado por opção ou por falta de projetos aliciantes?)
“Já recebi variadíssimas propostas nos últimos meses, propostas financeiras muito tentadoras, mas resolvi que a minha ideia era ficar parado até ao final da temporada (na Europa) pelo menos. Sinceramente, não aceitei ofertas porque não quis, se quisesse estaria muito bem, mas não é esse o meu objetivo agora. Vejo que essa pausa está me fazendo muito bem”, explicou.
(Trabalhar no Brasil é uma opção? Tem essa ambição? Sei que gosta da ideia…)
“Cada vez mais enxergo o Brasil como uma possibilidade muito permanente, porque vivemos mais e mais o futebol brasileiro. Temos nossos treinadores portugueses lá, com conhecimento cada vez mais aprofundado de jogadores e de equipes. Sinto isso como algo muito desafiante, porque essa é uma virtude dos portugueses: gostamos desses desafios. O Brasil é o país do futebol, em que as pessoas vivem para o futebol de forma apaixonadíssima. Na minha convicção, é um pais difícil para ser treinador, por tudo aquilo que sabemos do passado recente, mas ao mesmo tempo é uma ideia muito aliciante. Perdão a redundância: seria um desafio muito desafiante”, expressou.
(Já teve ofertas concretas de clubes brasileiros? Por que não houve acordo?)
“Não vou dizer concretamente nomes, não vou abordar assim. Recebi, sim, coisas concretas. O que sinto, por conversas, por telefonemas, é que o Brasil vai ser um destino que eu… é possível que aconteça. Sempre há conversas nesse sentido. De forma objetiva ou não, tem sido algo recorrente nos últimos meses. Sempre que um treinador deixa um clube brasileiro, o meu nome lá aparece, acabam por associar, surgem possibilidades. Não iria treinar agora (no Brasil), porque quero usufruir um pouco da minha família. Me bloqueei um pouco neste momento em relação a qualquer iniciativa. Não sei se as coisas iriam mais longe ou não, mas bloqueei qualquer iniciativa. Agora quero ficar parado, o meu empresário sempre soube disso, por mais que surgisse uma proposta muito concreta e irrecusável. Acho que isso acabou por me afastar de algumas coisas. Não houve aquela motivação para aproximação, não tinha essa intenção”, comentou.
(O seu nome, de fato, foi falado recentemente em vários clubes no Brasil. Mas houve um caso em especial: o Flamengo. Na ocasião, você chegou até mesmo a seguir o perfil do clube no Instagram, o que gerou então muito alarde…)
“Concretamente: até foi a pessoa que estava trabalhando comigo nas redes sociais que acabou por.… eu tenho uma coisa muito restrita em relação a quem sigo, e na altura realmente não estava a ver como algo que tivesse tanto impacto, mas, no fim, tive a noção desta realidade com o Flamengo. A pessoa que estava trabalhando comigo ouviu algumas coisas sobre o Flamengo e fez aquilo. Quando vi o impacto, não acreditei naquilo tudo. Depois, com o tempo, também pensei: “Vou parar de seguir? Por quê? Gosto de futebol, gosto do Flamengo”. Faço o mesmo com outras equipes, sigo o Al Nassr, o Benfica, a seleção portuguesa. Não foi nada em particular, mas foi essa pessoa que trabalhava comigo que acabou por seguir o perfil. Aquilo foi uma coisa tremenda, em tão pouco tempo recebi diversas mensagens, comentários. Foi impressionante”, afirmou.
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(Deu vontade de pegar o avião e ir para o Brasil?)
“[Risos ] Não, mas aumentou de fato bastante aquela vontade de saber o que estava acontecendo, de seguir e ficar atento. Foi um caso ímpar em relação aos clubes, uma manifestação rapidíssima de apreço que as pessoas tiveram comigo, algo que gostei de sentir. Houve aquela vontade de descobrir “o que acontece aqui?”. O Flamengo é acima de qualquer normalidade que estamos habituados. É uma grandiosidade”, afirmou.
(Ainda sobre o futebol brasileiro: o que o Abel Ferreira tem de diferente agora no Palmeiras?Forma de trabalhar, de exigir, de comunicar…)
“Acho que o período no Brasil fez muito bem ao Abel, por permanentes intervenções na imprensa e vivenciar desafios difíceis, como a Copa Libertadores e a Copa do Brasil. Acabou por ser um teste muito grande, e ele se “safou” muito bem. Sempre esteve à altura. É evidente que em quatro meses e entrando no meio de uma temporada, nós muitas vezes não preparamos as coisas como queremos, porque o contexto pode não permitir que a ideia de jogo seja colocada em prática. Ele percebeu tudo isso, olhou e disse: “O que a equipe vai precisar? O que preciso fazer aqui?”. Interpretou bem o contexto. Ganhou rapidamente, e acho que o futuro pode ser mais risonho. Não é fácil conquistar o que conquistou, mas, do ponto de vista de ideias, pode ser mais fácil a partir de agora. Acho que isso agora está muito a favor dele, de vender a proposta de jogo e de resultados. O futebol brasileiro tem um nível alto, é muito difícil ganhar no Brasil. Não há descanso, as viagens são longas, há lesões, são várias as dificuldades. O Abel chegou e prontamente começou a competir. Ganhou sem quase nenhum tempo para treinar. Quais são as ideias que podemos passar neste contexto? É preciso compreender o contexto, se adaptar. Ele poderia ter feito de outra maneira, mas se inseriu muito bem assim”, opinou.
(Como avalia a atual temporada do Benfica? Tem sido decepcionante, depois de terem buscado o Jorge Jesus no Brasil e investido mais de 100 milhões de euros em reforços. É possível dar a volta por cima? Como você conhece muito bem a casa…)
“Acho que a equipe tem como encaixar, porque estamos na presença de ótimos jogadores. As contratações foram muito poderosas, há ali muita qualidade. Estamos falando de jogadores de seleção, de primeira linha internacional. Há um conjunto de fatores que desperta menos confiança, foi tudo com muita pressa, teve a eliminação na Liga dos Campeões, talvez o desenrolar da temporada, não somente por causa da pandemia. A qualidade está lá, a qualquer momento pode e vai funcionar. Digo que no futebol nem tudo o que parece é. Parece que está tudo bem e, de repente, tem uma derrota em casa, um jogo fora, e tudo passa a ser visto de outra maneira. Existe uma série de coisas, mas nada muito grave, pequenas coisas que foram acontecendo… acho que a qualidade está lá, às vezes há um processo que leva mais tempo para uma equipe chegar num determinado patamar de rendimento. Olhando friamente de fora, acho que é mais isso, um conjunto de coisas, expectativas elevadíssimas, o que gerou uma tranquilidade aos jogadores: “Somos a melhor equipe do campeonato português, contratamos como ninguém, estamos preparados”. Mas aí as coisas começaram a não funcionar e os aspectos negativos aumentaram”, disse.
(Hoje ídolo no Flamengo, o Gabigol foi uma decepção no Benfica (2017/18). Na ocasião, você era o treinador daquele time. O que aconteceu? De quem é a culpa?)
“O Gabigol, quando veio, veio emprestado da Inter de Milão, onde estava sem jogar. Quando chegou, nós tínhamos o Jonas, o Raúl Jiménez, o Seferovic… e o Gabigol apareceu com muito menos idade [21 anos] e altas expectativas. É um jogador com enorme potencial, precisava de um contexto muito favorável para poder mostrar qualidade e exprimir todo o seu futebol, algo que acabou acontecendo no Flamengo. Talvez por ser mais novo, às vezes a maturidade, um contexto diferente faz com que… os atacantes muitas vezes precisam de mais um ano em cima de experiência, assim começam a perceber o campeonato, as defesas, etc. A maturidade é importante. A culpa não foi dele, não foi minha. Foi o contexto. Tem qualidade? Claro que tem. Foram seis meses em Portugal, na Itália também não teve rendimento, mas encontrou um contexto diferente no Brasil. Hoje está mais preparado para jogar no futebol europeu, que é mais tático, mais desgastante do ponto de vista mental, mais constante nos ritmos de treino, na intensidade mental. O foco precisa ser muito elevado, correr, defender, é um futebol que tem um determinado perfil. Ele não funcionou em Portugal num curto período, mas não deixa de ser um jogador com qualidade e que em qualquer outra equipe pode vir a render”, argumentou.
Por: Futebolizei.com